A situação da educação domiciliar na Colômbia é semelhante àquela que o Brasil
tinha antes do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o assunto. A
modalidade não é mencionada em legislação alguma, nem proibindo-a, nem
autorizando-a explicitamente, mas a Constituição e outras leis dão margem à
interpretação de que os pais podem educar os filhos em casa, sem necessariamente
enviá-los à escola. Na prática, isso resulta em disputas judiciais cujo resultado
depende completamente daquilo que o juiz responsável pensa sobre cada caso.
Exatamente como ocorria em nosso país, até que a ação sobre o tema chegou ao
Supremo, com a consequente decisão de que sem lei “não há direito” à educação
domiciliar, conforme dito textualmente no acórdão do julgamento, publicado em
março de 2019.
Assim como no Brasil, a pandemia teve como efeito colateral a experiência
improvisada de colocar milhões de famílias colombianas no papel de protagonistas
da educação formal dos filhos, sendo apenas auxiliadas por recursos digitais
fornecidos pelas escolas. Pela primeira vez, muitos pais e mães geraram o
aprendizado de seus filhos em casa. Alguns detestaram, outros gostaram tanto e
testemunharam resultados tão positivos que não pretendem mais depender de
escolas. É nesse contexto que nosso país vizinho passou a discutir, em 2020, o
primeiro projeto de lei federal que pode, enfim, regulamentar a prática
do homeschooling.
A autora do projeto é uma política veterana, a senadora Emma Claudia
Castellanos, 60 anos, advogada constitucionalista ligada à pauta de defesa da
família, que já foi embaixadora da Colômbia no Brasil, entre 2004 e 2005, e
candidata à presidência da Colômbia na década de 90. Em entrevista concedida ao
jornal colombiano El Espectador, em outubro de 2020, Emma diz que há em torno
de oito mil famílias no país que já aderiram a essa forma de educar, e muitas outras
que gostariam de fazê-lo, mas não se sentem seguras devido à ausência de uma lei
clara sobre o assunto.
Ela destaca que a Constituição já afirma que os pais podem escolher o modelo
educativo que querem para seus filhos, mas aponta a contradição de, na Colômbia,
só haver um único modelo educativo, o tradicional. “Vamos regulamentar para que
haja outros. Haverá o modelo tradicional, de levar os filhos à escola, e este que
queremos regulamentar, que é o de educar em casa”, diz.
A proposta modifica a Lei Geral de Educação, de 1994, para incluir a nova
modalidade, seguindo o padrão mais comum das legislações sobre o assunto
adotadas na maior parte dos países ocidentais onde o homeschooling foi
legalizado. Explicita o direito da família de educar em casa, mas estabelece
supervisão de instituições educativas, que podem ser públicas ou privadas. Há
previsão de avaliações periódicas, currículo básico de conteúdos e carga horária
mínima de cinco horas de atividade educativas diárias a ser cumprida.
Estabelece ainda que os familiares responsáveis pela educação das crianças
tenham obrigatoriamente ensino superior completo, e que os interessados em
aderir à modalidade notifiquem à autoridade educacional local sobre seu interesse.
Esta, por sua vez, “não poderá negar a autorização de educar em casa, salvo por
descumprimento dos requisitos ou por evidentes dificuldades para desenvolver o
processo em casa”. Há também a previsão de impedimento do acesso à
modalidade da educação domiciliar àqueles que reprovarem duas vezes seguidas
no exame de desempenho anual. Esses estudantes terão de retornar ao sistema
escolar.
Convém destacar que o fechamento das escolas ocasionado pelo coronavírus,
embora tenha influenciado o avanço desse debate entre os colombianos, não foi o
único fato a impulsionar o homeschooling por lá. Em 20 de abril de 2020,
adiantando-se ao Brasil, a Colômbia foi oficialmente aceita como membro da
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE),
tornando-se o 37º membro da organização. Naquele momento, 30 dos 36 países
que compõem o grupo reconheciam a educação domiciliar como opção legítima,
seja por meio de lei específica ou por autorização constitucional. Nesse grupo
entram, por exemplo, os Estados Unidos, Canadá, Austrália, Nova Zelândia,
França, Finlândia, Reino Unido, Portugal e outro vizinho nosso, o Chile.
A liberdade educacional é um valor abertamente defendido pela entidade,
conforme exposto em várias publicações, como Education at a Glance – OECD
Indicators 2010, um estudo envolvendo 27 países, no qual a organização dedicou
várias páginas ao tema do homeschooling no capítulo How much school choice do
parents have. Em 2019, no estudo OECD Future of Education and Skills 2030 –
Project background, o homeschooling foi mais uma vez mencionado de forma
positiva no item relacionado às mudanças na escolarização compulsória e
novidades na educação do século XXI.
Se o Brasil ainda quer fazer parte desse seleto grupo de nações, precisa evoluir no
quesito liberdade educacional e aprovar, enfim, uma lei federal que garanta às
famílias o direito de escolher como educar suas crianças, flexibilizando formatos e
permitindo uma educação personalizada de verdade, ministrada por pais zelosos,
capazes e dispostos a assumir o protagonismo na formação dos filhos.
Jônatas Dias Lima é jornalista e presidente da Associação de Famílias
Educadoras do Distrito Federal (Fameduc-DF). E-mail: jonatasdl@live.com.
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